2014 às 22:36
Nas próximas horas, uma batalha decisiva pelos seus direitos na
internet será travada no Congresso Nacional. O Marco Civil da Internet
(PL 2126/2011) será votado de forma pioneira no Brasil, definindo as
regras de um jogo que está sendo debatido e disputado em todo o mundo.
De onde veio isso?
Esse não é um projeto só do governo brasileiro, ele foi construído coletivamente definindo direitos e deveres
dos cidadãos e empresas na internet. O enorme esforço de diversos
setores da sociedade deu forma ao projeto com o maior consenso possível
para a garantia dos principais direitos civis na internet.
1 — LIBERDADE DE EXPRESSÃO
O que acontece hoje?
Hoje, o que você escreve na rede
pode ser eliminado sem qualquer chance de defesa. A velha e boa
censura, que aterrorizou o país durante a ditadura militar, é uma
prática corrente na internet, com a diferença que não é mais necessário
um órgão especializado do Estado autoritário para se retirar textos,
imagens, vídeos e qualquer tipo de conteúdo do ar. Basta um telefonema,
ou um email de quem não queira ver o conteúdo divulgado.
A falta de leis que se refiram à internet cria uma insegurança
jurídica para os sites que hospedam os conteúdos e, com o receio de
serem responsabilizados pelo que foi publicado pelos seus clientes como
se fossem eles mesmos os responsáveis, simplesmente retiram o conteúdo
do ar.
Isso faz, por exemplo, com que prefeitos que não gostam de críticas ameacem processar por difamação um provedor que hospeda um blog.
Ou que corporações da indústria cultural notifiquem o youtube para
retirada de conteúdos que utilizem obras protegidas por direito autoral.
E eu com isso?
Você pode pensar: “Mas é justo que sejam punidos difamadores ou quem o usa indevidamente obras protegidas de propriedade intelectual
privada”. Talvez, mas a pergunta é: “Quem decide isso?” Quem disse que o
uso era realmente indevido? Quem disse quer se tratava de difamação, e
não apenas de uma crítica ou denúncia?
Essa decisão não pode ser tomada unilateralmente nem pelo denunciante,
nem pelo denunciado. Por isso, as democracias modernas inventaram um
sistema para tentar resolver essa questão que se chama sistema
judiciário, colocando a responsabilidade da decisão na mão de um juiz.
Como não há lei na internet, políticos e corporações se valem do risco econômico
que os sites estão sujeitos e, com simples notificações, criem uma
indústria de censura automática na rede, sem respeitar qualquer processo legal,
ou dar o direito de defesa a quem produziu e divulgou os conteúdos
questionados. Você perde liberdade para se expressar na rede e de se
informar pelo que foi censurado!
E o que muda com a aprovação do Marco Civil da Internet?
O artigo 20 do Projeto de lei
2126/2011 retira a responsabilidade dos sites sobre os conteúdos
gerados por terceiros, acabando com a insegurança jurídica e com a
desculpa utilizada para a censura automática.
E quem joga contra?
A pressão da Rede Globo conseguiu criar no Marco Civil uma exceção
para esta regra, ao definir que, para conteúdos com direito autoral,
serão tratados especificamente na Lei de Direito Autoral, o que mantém a
situação atual para esses tipos de conteúdo até que a lei seja
reformada.
Com isso, a Globo seguirá censurando o debate acerca de sua obra na internet, mas os outros tipos de conteúdos passam a ter uma garantia legal contra a censura automática.
2 — PRIVACIDADE
O que acontece hoje?
A privacidade se transformou, literalmente, em uma mercadoria na
internet. Geralmente, nos diversos serviços gratuitos que podem ser
utilizados na rede, o produto a ser comercializado é o próprio
internauta na forma dos seus dados mais íntimos.
Plataformas como Google e Facebook utilizam suas informações
pessoais, os dados gerados pelo seu comportamento, tais como buscas,
avaliações positivas e negativas de conteúdos existentes e o próprio
conteúdo da sua comunicação para vender para empresas interessadas no
seu padrão de consumo, ou mesmo para fornecer a governos que estejam
monitorando a movimentação política de seu país ou de outros.
O ex-agente da NSA, Edward Snowden, revelou ao mundo que a agência de
espionagem estadunidense monitorava a comunicação privada de cidadãos
de forma massiva e não apenas em investigações pontuais. Snowden também
revelou que a espionagem contava com a colaboração de empresas de
tecnologia e infraestrutura.
E eu com isso?
A lógica da privacidade como mercadoria compromete a própria
liberdade de expressão. Sem regras de proteção da privacidade, estamos
vulneráveis ao humor de um Estado autoritário, vigilante e aos
interesses privados das empresas. Quanto vale o acesso aos dados dos
seus exames médicos? E do seu histórico contábil? Suas preferências
políticas, sexuais e culturais?
E o que muda com a aprovação do Marco Civil da Internet?
O Marco Civil estabelece uma série de proteções a nossa privacidade
na internet. O artigo 7 define que as fotos e textos que você excluiu há
muito tempo do Orkut e que pensa terem sido apagados com a sua saída
desta rede social, finalmente terão que ser efetivamente excluídos com a
aprovação da lei.
O marco civil não impede a espionagem americana, mas coloca na
ilegalidade a cooperação entre empresas e governos no monitoramento
massivo. A lei também não impedirá Google e Facebook de venderem nossas
informações, mas define que isso deve ser autorizado de forma livre,
expressa e informada. Isso sim impede que as empresas de telecomunicação
guardem os dados de tudo o que fazemos na rede.
E quem joga contra?
As bancadas policialescas do Congresso Nacional conseguiram a
inclusão do artigo 16 ao projeto. Este artigo define o armazenamento
obrigatório de tudo que se fizer em determinados sites para fins de
investigação policial.
Esta inclusão vai de encontro a todo espírito de proteção da
privacidade ao estabelecer a vigilância em massa. Inverte o preceito
constitucional da presunção de inocência, onde todos passam a ser
considerados culpados até que provem o contrário.
O que acontece hoje?
Este é o ponto de maior polêmica entre sociedade civil e empresas de
telecomunicações. Com a aprovação da neutralidade de rede como um
princípio, as empresas donas dos cabos por onde trafegam os pacotes de
dados ficam impedidas de favorecer esse ou aquele serviço, esse ou
aquele produto no tráfego.
Basicamente, todo conteúdo deve trafegar da mesma forma, com a mesma
qualidade. Essa definição é importantíssima para garantir que a internet
se mantenha como um meio democrático, onde todos têm as mesmas
condições de falar e ganhar repercussão.
Ter uma rede neutra é definir que o dono da estrada não pode definir
que veículos podem andar mais rápidos e quais tem que enfrentar um
congestionamento.
Se nossas estradas não fossem neutras em relação a quem viaja por
elas, existiriam uma larga pista para quem pagasse mais e um pista
estrita para quem não tivesse dinheiro.
Ou ainda a administradora da estrada poderia definir, em um acordo
comercial com montadoras, que algumas marcas de automóveis passam sem
pagar pedágio, enquanto as outras são obrigadas a pagar.
Como não existem leis obrigando a neutralidade na rede de internet,
hoje as estradas digitais são administradas de forma assimétrica por
quem controla os cabos.
E eu com isso?
Sem uma rede neutra, você não tem como saber se o serviço que usa
está ruim por um motivo técnico, ou por um acordo comercial que você
desconhece.
Você não tem como saber se o serviço de voz do Skype está ruim por
que a Microsoft (dona do Skype) não paga a NET para passar os seus
produtos pela rede.
Sem neutralidade, a internet pode ser vendida como uma TV a cabo e você perde dos dois lados.
O seu site não será tão visto na internet quanto o de uma corporação
transnacional que poderá pagar por isso. Além disso, você não encontrará
os conteúdos pelos quais não puder pagar. Perde-se dos dois lados e
quem controla a infraestrutura ganha dos dois lados.
E o que muda com a aprovação do Marco Civil da Internet?
O artigo 9 no marco civil diz, claramente, que a empresa de
infraestrutura deverá “tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de
dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal
ou aplicação”. Ou seja, deve ser neutra em relação ao que passa nos seus
cabos vendendo apenas capacidade de tráfego sem interferir no tráfego
em si.
E quem joga contra?
As empresas de telecomunicação, mais conhecidas como Vivo/Telefônica,
Claro/Embratel, TIM e Oi, são as principais opositoras, pois querem
poder negociar de todos os lados do balcão e impor condições
assimétricas para o consumidor.
Essas empresas depositam no deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) suas esperanças de obstruir o projeto de lei que as obriga respeitar direitos civis na rede.
O QUE PODE SER FEITO?
Para fortalecer a luta em defesa de um Marco Civil da Internet, que
seja capaz de estabelecer, democraticamente, princípios, direitos e
deveres para o uso da Internet, ativistas e organizações da sociedade
civil organizaram uma agenda intensa de mobilizações para os próximos
dias:
Assine a petição on line: http://www.avaaz.org/po/o_fim_da_internet_livre_gg/?mmc
*Por Pedro Ekman, 11.03.2014, na CartaCapital
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