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Jornalista Gleidy Braga |
08 de março é o Dia Internacional da Mulher, uma data que merece mais do que aquelas comemorações de interesse do mercado, que tem única e exclusiva finalidade de levara ao consumismo, maridos, namorados, filhos e etc. Deveria ser realizados debates, reflexões a respeito da das diversas situações em que se encontra o sexo feminino nos vários espectros da sociedade brasileira, seja na política ou mercado de trabalho, com relação a valores e poder, entre outros tantos viés que imperam uma visão machista, sem mencionar o de sempre, aspectos sociais e raciais. Claro que tudo isso pode ser realizada de maneira dinâmica, descontraída e prazerosa, mas com objetividade.
Então resolve publicar nesse espaço um artigo da companheira Gleidy Braga, Jornalista e Conselheira dos Direitos da Mulher, uma pessoa que tive o prazer de conhecer a tempos atrás e, que recentemente compartilhamos a condição de palestrante num evento do Partidos dos Trabalhadores (PT), na cidade de Dianópolis - TO. É muito interessante e vale a pena uma leitura atenciosa e feliz dias das mulheres.
Escrito por Gleidy Braga
Título: As mulheres e a disputa de valores
Para o jurista Miguel Reali, o direito é a soma de três
dimensões: do fato, valor e norma, para ele, toda norma bebe na fonte da
sociedade e só então se constitui em um direito. Se direito é resultado
do valor que determinada sociedade dá a um acontecimento, em que
momento da história, se constituiu nas sociedades, principalmente nas
ocidentais, o discurso de que as mulheres são naturalmente propensas a
atribuições não muito valorizadas, atribuindo a elas um papel secundário
e de pouca relevância no meio social? Mais do que isso, quem tem o
poder de influenciar na construção desses valores que fazem parte do
ordenamento jurídico de um determinado povo?
A estudiosa do tema, antropóloga Evelyn Reed, buscou responder estas
questões, ao afirmar que o mito da inferioridade da mulher é um fenômeno
social, difundido e perpetuado pelo sistema da propriedade privada,
pelo Estado, Igreja e instituições familiares. Estes foram condicionando
o sexo feminino a uma posição inferior, ao construir o discurso bem
elaborado de que a natureza determinou o papel da mulher na sociedade.
Este discurso contou, na antiguidade, com o apoio de grandes filósofos
da Grécia antiga, que são referência na formação do conhecimento.
Aristóteles, por exemplo, ao analisar a mulher grega, definiu-a como um
ser inferior, ancorado nas suas observações biológicas. Para ele, a
inferioridade da mulher era visível e não faltaram adjetivos para
desqualificá-la, "é pequena, débil, frágil, tem menos dentes, menos
suturas cranianas, menos voz, etc...".·.
Já Platão, outro grande filósofo grego, ao analisar a condição
inferior da mulher na sociedade grega, dizia ser contraditório atribuir
às mulheres os cuidados com a educação dos filhos, uma vez que elas
próprias não eram educadas, para ele, elas eram tão capazes de governar
quanto os homens, "bastando para tanto, que recebessem a mesma formação
que os homens e fossem liberadas do serviço de casa e da guarda das
crianças". De forma enfática, o filósofo afirmava que "um Estado que não
forma e nem educa suas mulheres é como homem que treina apenas o seu
braço direito."
Na Idade Média, o pensamento defendido por grandes filósofos, entre
os quais se inclui o de Aristóteles, se fortaleceu com o apoio da
religião, que propagava o discurso da inferioridade das mulheres. Carlos
Bauer, ao estudar as mulheres ocidentais, argumenta que inicialmente a
igreja ajudou a propagar entre os fiéis a idéia de fragilidade do sexo
feminino, da sua fraqueza ante o perigo da carne, sendo elas
impulsionadas naturalmente para a fornicação, ou seja, as mulheres eram
predispostas ao pecado e era preciso controlar estes impulsos naturais.
Com o passar do tempo, já no apogeu da sociedade feudal, os valores
associados à perversão foram progressivamente substituídos pela visão da
mulher dama e pura. Mudanças significativas ocorreram nesta época, e
algumas delas, naturalmente da nobreza, puderam aprender a ler e
escrever, instruindo-se na prática dos valores morais e bons costumes,
assim como, aprendiam a costurar e desenvolver outras atividades
domésticas.
Com o surgimento do novo grupo social, a burguesia, houve uma ruptura
no pensamento quanto à cultura e os valores morais da época, no
entanto, isso não foi suficiente para colocar a mulher em condições de
igualdade na sociedade. No mercado de trabalho, elas entraram pela porta
dos fundos e quando remuneradas, recebiam um salário bem inferior ao
dos homens. As mulheres também dificilmente chegavam a ocupar espaços de
chefia nas corporações. No exercício de algumas profissões elas eram
censuradas a aprender ou executar as tarefas exercidas pelos homens. Uma
ocupação bastante feminina era a de parteira, que aos poucos foi
desaparecendo devido à evolução da medicina, pois, iniciou-se a formação
de cirurgiões especialistas na área.
Toda essa conjuntura atesta as palavras da Giulia Sissa, ao afirmar
em seu artigo "Filosofia do Gênero: Platão, Aristóteles e a diferenças
dos sexos", que "os grandes homens falavam mal das mulheres, as grandes
filosofias e os saberes mais autorizados consagravam as ideias mais
falsas e mais desdenhosas a respeito do feminino", contundo, a autora
argumenta ao analisar os avanços da medicina, que não é prudente reduzir
a ciência a uma manifestação de machismo, isto nos impediria de "pôr em
evidência tudo o que, apesar de, mas também graças ao olhar masculino,
nos permite hoje fazer história partindo da convicção de que a verdade
está do nosso lado".
Não se pode reduzir a luta das mulheres a uma disputa entre os sexos,
pois nossa luta não é contra os homens, mas, contra os valores que aos
poucos se consolidaram em nosso meio e se fortaleceram no sistema
patriarcal e capitalista. Apesar dos avanços, sabemos que o pensamento
que prevalece sobre o feminino é o aristotélico, e nos perguntamos: até
quando vamos continuar sendo sujeitos de direito de segunda categoria?
Até quando teremos que lutar contra essa forma de opressão? Talvez, até
que sejamos capazes de conviver com a diferença e de construir um Estado
que seja de fato democrático, em que todos efetivamente sejam iguais no
direito e nas obrigações. Caminhemos rumo ao futuro, mas não percamos
de vista o passado, pois, ele nos mostra de forma clara que a
desigualdade de gênero não é um fenômeno natural e sim uma construção
cultural que há séculos oprime as mulheres.