12.18.2014

A crítica do Papa esta em sitonia com os movimentos sociais e a teologia da libertação.

A teologia da libertação surgiu, mais especificamente, na América Latina, na década de 60, e ganhou adeptos principalmente nas Comunidades Eclesiais de Base. A partir dos anos 80 pudemos ver mais de perto a sua ação. Foi então que o Cardeal Ratzinger, escreveu um importante artigo intitulado “Eu vos explico a teologia da libertação” (Revista PR,n. 276, set-out, 1984, pp354-365), onde deixou claro todo o posicionamento contrário da cúpula romana, mais representada por um pesamento europeu. Analisando este artigo, D.Estevão Bettencourt, afirma: “O autor  mostra  que a teologia da libertação não trata apenas de desenvolver a ética social cristã em vista da situação socioeconômica da América Latina, mas revolve todas as concepções do Cristianismo: doutrina da fé, constituição da Igreja, Liturgia, catequese, opções morais, etc.
A teologia apresentada pelo papa Francisco é a versão "correta" da Teologia da Libertação que religiosos latino-americanos por anos buscaram, com base no marxismo, como forma de lidar com as desigualdades sociais e a pobreza. A avaliação é de D. Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do Sínodo dos Bispos e ex-núncio no Brasil. Se nos anos anteriores o contato da Igreja com a pobreza na América Latina gerou a Teologia da Libertação, desta vez o papa Francisco volta a se preocupar com a dimensão social, mas produz o que seria o "real caminho" a ser percorrido.
Muitos sabem que a teologia sempre foi contestada por Roma, em função de seu caráter revolucionário, que pregava uma interpretação do cristianismo, a partir de uma práxis social, porém, sem abrir mão dos fundamentos da Igreja Católica. No entanto, os Papas quase todos de origem europeia sempre condenaram essas ações nas comunidades de base na América Latina, afirmando que a salvação dos pobres está contemplada na redenção dos pecados e não na libertação da condição econômica e social. Afirmando ainda que as ações revolucionárias e de cunho ideológico era uma tentativa de reinterpretar o catolicismo e que negava as concepções básicas como o catequismo, a liturgia e os principais sacramentos da igreja.
No entanto, em sua carta de exortação, o Papa Francisco, critica aquilo que ele chama de “uma economia da exclusão” com forte viés politico, clara, que temos que resguardar as dimensões do pensamento doutrinal do Papa e nossa visão progressista ideológica. Mais a se considerar a origem sacerdotal e latina de Francisco, podemos pensar que seu evangelho da Alegria é uma clara sinalização ao grupo que pregou, militou ou lutou nas comunidades de base, nas quais foi forjada a Teologia da Libertação. Veja abaixo trecho da Carta de Exortação que comprova nossa tese.

Não a uma economia da exclusão

53. Assim como o mandamento “não matar” põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer “não a uma economia da exclusão e da desigualdade social”. Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do “descartável”, que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são “explorados”, mas resíduos, “sobras”.
54. Neste contexto, alguns defendem ainda as teorias da “recaída favorável” que pressupõem que todo o crescimento econômico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social no mundo. Esta opinião, que nunca foi confirmada pelos fatos, exprime uma confiança vaga e ingênua na bondade daqueles que detêm o poder econômico e nos mecanismos sacralizados do sistema econômico reinante. Entretanto, os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma.
Se isso se comprovar e só o tempo irá dizer, tenho certeza de que o Papa Francisco irá enfretar uma grande batalha no seio do Vatiano, mais especificamente, do atual prefeito da dita Congregação, o alemão Ludwig Müller, colocado ali pelo pontífice anterior, Bento XVI. Não sei quantos cristãos tiveram conhecimento de um grave episódio recente no qual Müller chegou a admoestar o papa Francisco por suas declarações respeito da possibilidade de que os cristãos divorciados e casados pudessem ser readmitidos nos sacramentos. Com essa posição clara e mais progressita da igreja, o pior que poderia acontecer ao papa Francisco no momento em que, em seu último documento, acaba de declarar seu desejo de levar a cabo uma transformação da Igreja em todos os níveis para lhe devolver sua identidade original, depois de ter, século após século, se contaminado com os poderes mundanos. A Igreja está numa encruzilhada difícil. Cristãos e fiéis de outras confissões, e até pessoas até ontem afastadas de qualquer credo, estão pondo olhos esperançosos na renovação trazida por Francisco – que parece viver mais em Nazaré do que em Roma –, uma renovação parecida, ou talvez maior, do que aquela promovida há 50 anos pelo Concílio Vaticano II, de João XXIII, talvez o papa mais parecido – em sua alma rica de misericórdia e ternura pelos mais desvalidos – com o papa Francisco.

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