Stânio de Sousa Vieira – Sociólogo e Historiador |
Estamos acompanhando as manifestações da classe médica brasileira
contra a vinda dos médicos estrangeiros e contra a mudança, na proposta
do Governo Federal, que busca alterar a grade curricular dos cursos de
medicina para determinar que os estudantes trabalhem por dois anos em hospitais e nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), no final do curso de medicina.
Como adepto da democracia, compreendo as reivindicações da classe médica, mas entendo que tenho o direito de discordar, até porque analiso essas reivindicações como um tanto sem nexo, sobretudo do ponto de vista ético e moral.
Há cerca de três semanas atrás as manifestações espalhadas pelas ruas brasileiras tinham como uma das pautas principais a melhoria da saúde pública. Aliás, muitos desses manifestantes eram jovens médicos que também exigiam uma saúde pública de qualidade! No entanto, quando o governo federal encaminhou, por meio de medida provisória, o programa “Mais Médicos”, que tem o objetivo de aumentar o número dos médicos atuantes na rede pública de saúde em regiões carentes, e permite a vinda de profissionais estrangeiros (ou de brasileiros) observamos um posicionamento majoritário de negativas ao programa.
As acusações contrárias, majoritariamente, eram a respeito do médico estrangeiro e ao atendimento de dois anos no final do curso em hospitais e serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir dessa realidade comecei a analisar os discursos da classe médica sobre esses dois questionamentos, e cheguei à conclusão de que o posicionamento tinha o alcance de xenofobia e de preconceito de classe.
Por quê? Vejamos: no primeiro caso, dos médicos estrangeiros, o foco era desqualificar os médicos estrangeiros como incompetentes. Então pensei, deve ser uma questão ufanista. No entanto, os discursos foram aprofundados e sintetizaram a lógica: “somos contra os médicos estrangeiros, pois a medicina cubana, boliviana ou venezuelana não tem o mesmo gabarito da brasileira”, ou seja, não são contra os estrangeiros, mas contra alguns estrangeiros, no caso, os desses países citados. Ora, o edital do programa “Mais Médicos” é aberto para todos os estrangeiros, mas a moral da história é que esses países são pobres econômica e politicamente e divergem da lógica do capital: daí os bastidores da discórdia.
Esses mesmos médicos não citam, por exemplo, que vários médicos britânicos e suecos são adeptos da medicina preventiva cubana, pois esses países consideram a medicina de Cuba, na perspectiva de prevenção, como vanguarda mundial. O segundo ponto mais questionado é estudar os dois últimos anos em hospitais e serviços do SUS. O principal argumento é que esses hospitais não oferecem condições de trabalho para esses médicos exercerem a profissão de forma digna, todavia essa realidade dos problemas dos hospitais públicos não são de agora, então, por que a classe médica nunca se manifestou com passeatas nas ruas?
O outro argumento é que os salários são baixos, portanto não compensa trabalhar para o SUS. Então, se o SUS é tão ruim para os médicos por que os mesmos não socializam para a sociedade que as clínicas filiadas ao SUS recebem benefícios de redução tributária, inclusive nos medicamentos adquiridos? Por que não reivindicam, de forma unificada, o plano de cargos e salários para a carreira médica? Ora, isso fatalmente resultaria em teto salarial, algo que dificultaria os subsídios pomposos que ganham em vários municípios deste País.
Até que se prove o contrário, os médicos brasileiros que se inscreverem no programa “Mais Médicos”, para trabalharem vão receber uma contribuição de 10 mil reais e mais ajuda de custo para mudança de município. Para quem não sabe, esse salário é para o médico que nem mesmo concluiu a graduação, enquanto um professor universitário já doutor, em início de carreira não recebe nem perto desse valor! Moral da história: o que está em questão nessa situação é uma situação de classe social, pois para a maioria desses médicos trabalhar na periferia ou cidades afastadas de grandes núcleos urbanos é algo indesejado, pois a maioria reside em uma área urbana mais confortável. Não que os mesmos não possam ter o gozo do status, mas a carreira médica precisa privilegiar a vida, aliás, como juram os médicos em sua formatura! A prova é que esses médicos que trabalham nas cidades mais afastadas recebem a média de 20 mil reais, às vezes, para exercer a função médica, por dois dias da semana. No entanto, a maioria age com falta de urbanidade com os pacientes e demais funcionários. Então, é uma questão de dinheiro?
É apenas uma questão cultural, pois os médicos à brasileira são exemplos fiéis do Estado brasileiro, de formação autoritária, em que o serviço público é visto como algo pesado e chato, pois o interesse privado costuma predominar sobre o interesse coletivo. Isso é facilmente verificado em nossas elites econômicas, que imaginam o Estado para si e não para o bem comum; daí a raiz no Brasil do discurso do “sabe com quem você está falando?”, a maioria dos médicos se enquadram, infelizmente, nesta perspectiva. Poderiam seguir o exemplo dos profissionais da medicina do Reino Unido e Suécia, países cujos jovens recém-saídos das universidades de medicina precisam cumprir um período de treinamento remunerado no setor público. Detalhe: essa remuneração representa 30% que os médicos brasileiros vão receber no programa! Lá isso é necessário antes de receberem a licença para exercer a profissão. Para os britânicos, por exemplo, são obrigatórios dois anos de treinamento em hospitais públicos, após o período da universidade.
Para finalizar. Há um provérbio africano que diz: “um povo sem história é como árvore sem raiz”, pois bem, é muito importante termos conhecimento dos discursos para não cairmos em certas armadilhas ideológicas e não nos tornarmos reféns de aparências.
Como adepto da democracia, compreendo as reivindicações da classe médica, mas entendo que tenho o direito de discordar, até porque analiso essas reivindicações como um tanto sem nexo, sobretudo do ponto de vista ético e moral.
Há cerca de três semanas atrás as manifestações espalhadas pelas ruas brasileiras tinham como uma das pautas principais a melhoria da saúde pública. Aliás, muitos desses manifestantes eram jovens médicos que também exigiam uma saúde pública de qualidade! No entanto, quando o governo federal encaminhou, por meio de medida provisória, o programa “Mais Médicos”, que tem o objetivo de aumentar o número dos médicos atuantes na rede pública de saúde em regiões carentes, e permite a vinda de profissionais estrangeiros (ou de brasileiros) observamos um posicionamento majoritário de negativas ao programa.
As acusações contrárias, majoritariamente, eram a respeito do médico estrangeiro e ao atendimento de dois anos no final do curso em hospitais e serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir dessa realidade comecei a analisar os discursos da classe médica sobre esses dois questionamentos, e cheguei à conclusão de que o posicionamento tinha o alcance de xenofobia e de preconceito de classe.
Por quê? Vejamos: no primeiro caso, dos médicos estrangeiros, o foco era desqualificar os médicos estrangeiros como incompetentes. Então pensei, deve ser uma questão ufanista. No entanto, os discursos foram aprofundados e sintetizaram a lógica: “somos contra os médicos estrangeiros, pois a medicina cubana, boliviana ou venezuelana não tem o mesmo gabarito da brasileira”, ou seja, não são contra os estrangeiros, mas contra alguns estrangeiros, no caso, os desses países citados. Ora, o edital do programa “Mais Médicos” é aberto para todos os estrangeiros, mas a moral da história é que esses países são pobres econômica e politicamente e divergem da lógica do capital: daí os bastidores da discórdia.
Esses mesmos médicos não citam, por exemplo, que vários médicos britânicos e suecos são adeptos da medicina preventiva cubana, pois esses países consideram a medicina de Cuba, na perspectiva de prevenção, como vanguarda mundial. O segundo ponto mais questionado é estudar os dois últimos anos em hospitais e serviços do SUS. O principal argumento é que esses hospitais não oferecem condições de trabalho para esses médicos exercerem a profissão de forma digna, todavia essa realidade dos problemas dos hospitais públicos não são de agora, então, por que a classe médica nunca se manifestou com passeatas nas ruas?
O outro argumento é que os salários são baixos, portanto não compensa trabalhar para o SUS. Então, se o SUS é tão ruim para os médicos por que os mesmos não socializam para a sociedade que as clínicas filiadas ao SUS recebem benefícios de redução tributária, inclusive nos medicamentos adquiridos? Por que não reivindicam, de forma unificada, o plano de cargos e salários para a carreira médica? Ora, isso fatalmente resultaria em teto salarial, algo que dificultaria os subsídios pomposos que ganham em vários municípios deste País.
Até que se prove o contrário, os médicos brasileiros que se inscreverem no programa “Mais Médicos”, para trabalharem vão receber uma contribuição de 10 mil reais e mais ajuda de custo para mudança de município. Para quem não sabe, esse salário é para o médico que nem mesmo concluiu a graduação, enquanto um professor universitário já doutor, em início de carreira não recebe nem perto desse valor! Moral da história: o que está em questão nessa situação é uma situação de classe social, pois para a maioria desses médicos trabalhar na periferia ou cidades afastadas de grandes núcleos urbanos é algo indesejado, pois a maioria reside em uma área urbana mais confortável. Não que os mesmos não possam ter o gozo do status, mas a carreira médica precisa privilegiar a vida, aliás, como juram os médicos em sua formatura! A prova é que esses médicos que trabalham nas cidades mais afastadas recebem a média de 20 mil reais, às vezes, para exercer a função médica, por dois dias da semana. No entanto, a maioria age com falta de urbanidade com os pacientes e demais funcionários. Então, é uma questão de dinheiro?
É apenas uma questão cultural, pois os médicos à brasileira são exemplos fiéis do Estado brasileiro, de formação autoritária, em que o serviço público é visto como algo pesado e chato, pois o interesse privado costuma predominar sobre o interesse coletivo. Isso é facilmente verificado em nossas elites econômicas, que imaginam o Estado para si e não para o bem comum; daí a raiz no Brasil do discurso do “sabe com quem você está falando?”, a maioria dos médicos se enquadram, infelizmente, nesta perspectiva. Poderiam seguir o exemplo dos profissionais da medicina do Reino Unido e Suécia, países cujos jovens recém-saídos das universidades de medicina precisam cumprir um período de treinamento remunerado no setor público. Detalhe: essa remuneração representa 30% que os médicos brasileiros vão receber no programa! Lá isso é necessário antes de receberem a licença para exercer a profissão. Para os britânicos, por exemplo, são obrigatórios dois anos de treinamento em hospitais públicos, após o período da universidade.
Para finalizar. Há um provérbio africano que diz: “um povo sem história é como árvore sem raiz”, pois bem, é muito importante termos conhecimento dos discursos para não cairmos em certas armadilhas ideológicas e não nos tornarmos reféns de aparências.
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