A
teologia da libertação surgiu, mais especificamente, na América Latina, na
década de 60, e ganhou adeptos principalmente nas Comunidades Eclesiais de
Base. A partir dos anos 80 pudemos sentir mais de perto a sua ação. Foi então
que o Cardeal Ratzinger, escreveu um importante artigo intitulado “Eu vos
explico a teologia da libertação” (Revista PR,n. 276, set-out, 1984,
pp354-365), onde deixou claro todo o posicionamento contrário da cúpula romana,
mais representada por um pesamento europeu. Analisando este artigo, D.Estevão
Bettencourt, afirma: “O autor mostra que a teologia da libertação
não trata apenas de desenvolver a ética social cristã em vista da situação
socioeconômica da América Latina, mas revolve todas as concepções do
Cristianismo: doutrina da fé, constituição da Igreja, Liturgia, catequese,
opções morais, etc.
A teologia apresentada pelo papa
Francisco nessa terça-feira, 26, é a versão "correta" da Teologia da
Libertação que religiosos latino-americanos por anos buscaram, com base no
marxismo, como forma de lidar com as desigualdades sociais e a pobreza. A avaliação
é de D. Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do Sínodo dos Bispos e ex-núncio
no Brasil. Se nos anos anteriores o contato da Igreja com a pobreza na América
Latina gerou a Teologia da Libertação, desta vez o papa Francisco volta a se
preocupar com a dimensão social, mas produz o que seria o "real
caminho" a ser percorrido.
Muitos sabem que a teologia sempre foi
contestada por Roma, em função de seu caráter revolucionário, que pregava uma
interpretação do cristianismo, a partir de uma práxis social, porém, sem abrir
mão dos fundamentos da Igreja Católica. No entanto, os Papas quase todos de
origem europeia sempre condenaram essas ações nas comunidades de base na América
Latina, afirmando que a salvação dos pobres está contemplada na redenção dos
pecados e não na libertação da condição econômica e social. Afirmando ainda que
as ações revolucionárias e de cunho ideológico era uma tentativa de
reinterpretar o catolicismo e que negava as concepções básicas como o
catequismo, a liturgia e os principais sacramentos da igreja.
No entanto, em sua carta de exortação, o
Papa Francisco, critica aquilo que ele chama de “uma economia da exclusão” com
forte viés politico, clara, que temos que resguardar as dimensões do pensamento
doutrinal do Papa e nossa visão progressista ideológica. Mais a se considerar a
origem sacerdotal e latina de Francisco, podemos pensar que seu evangelho da
Alegria é uma clara sinalização ao grupo que pregou, militou ou lutou nas
comunidades de base, nas quais foi forjada a Teologia da Libertação. Veja abaixo
trecho da Carta de Exortação que comprova nossa tese.
Não a uma economia da exclusão
53. Assim como o mandamento “não
matar” põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também
hoje devemos dizer “não a uma economia da exclusão e da desigualdade social”.
Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem
abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é
exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo, quando
há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no
jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais
fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se
excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída.
O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode
usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do “descartável”, que
aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenômeno de
exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na
própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas,
na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são
“explorados”, mas resíduos, “sobras”.
54. Neste contexto, alguns
defendem ainda as teorias da “recaída favorável” que pressupõem que todo o
crescimento econômico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo
produzir maior equidade e inclusão social no mundo. Esta opinião, que nunca foi
confirmada pelos fatos, exprime uma confiança vaga e ingênua na bondade
daqueles que detêm o poder econômico e nos mecanismos sacralizados do sistema
econômico reinante. Entretanto, os excluídos continuam a esperar. Para se poder
apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este
ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos
dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores
alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por
cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos
incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a
serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas
estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo
que não nos incomoda de forma alguma.
Se isso se comprovar e só o tempo irá dizer, tenho certeza de que o Papa
Francisco irá enfretar uma grande batalha no seio do Vatiano, mais
especificamente Trata-se
do atual prefeito da dita Congregação, o alemão Ludwig Müller, colocado ali
pelo pontífice anterior, Bento XVI. Não sei quantos cristãos tiveram
conhecimento de um grave episódio recente no qual Müller chegou a admoestar o
papa Francisco por suas declarações respeito da possibilidade de que os
cristãos divorciados e casados pudessem ser readmitidos nos sacramentos. Com essa
posição clara e mais progressita da igreja, o pior que poderia acontecer ao
papa Francisco no momento em que, em seu último documento, acaba de declarar
seu desejo de levar a cabo uma transformação da Igreja em todos os níveis para
lhe devolver sua identidade original, depois de ter, século após século, se
contaminado com os poderes mundanos. A Igreja está numa encruzilhada difícil.
Cristãos e fiéis de outras confissões, e até pessoas até ontem afastadas de
qualquer credo, estão pondo olhos esperançosos na renovação trazida por
Francisco – que parece viver mais em Nazaré do que em Roma –, uma renovação
parecida, ou talvez maior, do que aquela promovida há 50 anos pelo Concílio
Vaticano II, de João XXIII, talvez o papa mais parecido – em sua alma rica de
misericórdia e ternura pelos mais desvalidos – com o papa Francisco.